A construção da Casa de Meia Encosta começou com a demolição de um chalé pré-fabricado que estava em mal estado, trazendo a necessidade da criação de um novo espaço. No terreno, localizado em São Francisco Xavier (SP), já havia uma outra construção que abrigava os usos comuns, como sala, cozinha e avarandado, enquanto o patamar plano da porção superior abrigava o chalé que foi demolido.
Assim, de acordo Denis Joelsons, arquiteto responsável pelo projeto, o programa inicial previa a instalação de três dormitórios que completariam, juntamente às áreas comuns, o programa de uma morada de campo. “Com o tempo, viu-se a necessidade de fazer outra área comum para que os quartos não ficassem apertados e para incentivar a ocupação da área externa disponível no patamar, como uma transição entre o espaço íntimo dos dormitórios e o terreno”, explica.
Configurada como um ponto de encontro entre as montanhas e o platô, a Casa de Meia Encosta diferencia-se por sua implantação sobre o muro de contenção e sua posição no limite do único patamar disponível neste terreno íngreme. “Talvez essa seja a questão principal do projeto: ocupar exatamente o ponto de transição entre o patamar que já existia e a montanha”, destaca Joelsons.
O partido do projeto parte da inserção da casa na topografia natural e previamente construída no terreno. Enquanto as áreas comuns se abrem para a área plana existente, um segundo nível com os quartos e banheiros preenche a pendente do terreno, conferindo novos usos a uma área antes desocupada. “Os dormitórios são, por consequência, um pouco mais escuros, mais aconchegantes, com uma condição térmica melhor por estarem incrustados na montanha”.
O arquiteto explica que as escadas e percursos coincidem com a declividade do terreno e, no nível superior, o piso dos quartos parece adentrar a montanha, em uma área que está ‘semienterrada’.
O telhado inclinado também remete à declividade do terreno, além de representar uma volumetria mais baixa e discreta que ao mesmo tempo permite uma riqueza de espaços no percurso pela Casa de Meia Encosta.
Com uma preocupação semelhante, foi construído um platô a meio nível entre o patamar existente e o nível dos quartos. Como um alargamento do giro da escada que dá acesso aos quartos, este patamar é contido por um muro baixo de pedras que se encontra na fachada de acesso à casa. Além de conectar os diferentes níveis das áreas interna e externa, ele dá a sensação de que a residência é mais baixa e menor do que de fato é, surpreendendo quem a visita pela primeira vez.
A estrutura da casa pode ser lida como um diagrama simples de massa, onde os materiais mais pesados, como a fundação de concreto e as paredes de bloco, se encontram mais próximos do solo, e os materiais mais leves, como a estrutura de madeira e a cobertura de telhas metálicas, ficam mais próximos do céu.
Para garantir um melhor isolamento térmico, a obra foi coberta com telhas metálicas tipo sanduíche. O material agilizou a construção e não sobrecarregou a estrutura de madeira. “Pudemos fazer beirais longos mantendo uma estrutura bem leve”, comenta o arquiteto. Por permitir a integração visual do interior da casa com o entorno, o vidro foi um material muito utilizado, com o cuidado de sombreá-lo sob os beirais para proteger a casa do calor do sol.
De acordo com a arquiteta e também autora do projeto Gabriela Baraúna, a escolha do bloco cerâmico teve motivos técnicos e estéticos. “Do ponto de vista da construção, o bloco é muito prático. Além de ser um material com bom desempenho térmico, todas as instalações podem passar por dentro dele”, explica.
Talvez essa seja a questão principal do projeto: ocupar exatamente o ponto de transição entre o patamar que já existia e a montanha Denis Joelsons“Tínhamos vontade de usar cores quentes e tons que puxassem para o vermelho. A ideia era inundar os espaços internos de tons cálidos, porque as cores da natureza em geral são frias. A ideia era fazer o verde parecer mais verde, contrastando com o laranja do muro, com o tom da madeira... enfim ter sempre esse balanço cromático. Por conta da predominância do verde na paisagem, tons terrosos e avermelhados são muito comuns em casas de campo”, complementa Joelsons.
Todos os ambientes da casa contam com ventilação cruzada. Os quartos podem mantê-la, inclusive de portas fechadas, graças a peças pivotantes entre as terças de madeira e o batente das portas. A sala recebe ventilação natural pelas portas e pela única janela, localizada acima da bancada da cozinha.
Os banheiros que estão nos fundos dos quartos, no volume ‘semienterrado’, foram feitos sob uma laje pré-moldada. Na diferença de altura entre o telhado e essa laje é que se acomodam as janelas dos quartos, voltadas para o fundo do terreno. “Essas janelas oferecem uma vista que não se tem de nenhum outro ponto da casa, do aclive do terreno, subindo paralelo ao telhado”, explica Baraúna. Através de cortinas blackout, também é possível controlar a luminosidade nos quartos.
Ambos os arquitetos consideram a inserção da Casa de Meia Encosta na paisagem o ponto mais interessante do projeto. A implantação e os percursos que foram gerados permitem aos moradores diferentes vistas do terreno e da natureza, além de convidarem para a vivência do espaço externo.
Joelsons conta que é muito bonito circular pela casa vendo os trechos externos do muro como espelhamento dos internos. “Isso também é uma deixa para despertar a curiosidade com a parte de cima do terreno, subir pelo aclive... foi uma decisão importante não implantar a casa no ponto mais alto, que tinha a vista mais desimpedida. É importante circular e descobrir paisagens diferentes em diversos momentos”, ressalta.
Um dos trechos interessantes do percurso pela casa é a chegada no corredor que dá acesso aos quartos no nível superior. Além de servir como área de integração da parte íntima com a área social da casa, ele se beneficia de uma janela que rasga o telhado e revela a vista do outro lado do vale, onde se pode ver a Pedra da Anta. Esse shed no telhado traz a luz, o ar e a paisagem para dentro da casa.
“A abertura está no meio do telhado, bem na área do corredor, então é possível passar por um pé-direito bem justinho saindo da escada para sentir o espaço se ampliando conforme a cobertura ganha altura. Como o telhado é inclinado e acompanha a pendente do terreno, temos situações distintas na casa. Acho que essa variação de pé-direito gera um espaço que é diverso e ao mesmo tempo contínuo”, conclui Joelsons.
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