A Base Brasileira na Antártica – Estação Antártica Comandante Ferraz – é um projeto do escritório Triptyque Architecture pensado para ser executado em uma das regiões inóspitas e, contraditoriamente, mais belas e misteriosas do planeta. Nesse cenário, os sócios Grégory Bousquet, Carolina Bueno, Olivier Raffaelli, Guillaume Sibaud viram-se à frente de um desafio científico, técnico, ambiental, humano, simbólico e geopolítico, cuja primeira necessidade foi desenvolver uma estratégia simples e eficiente, capaz de responder a todos os objetivos, mas com extrema qualidade de vida para seus habitantes. Era preciso integrar segurança – contra incêndio em primeiro lugar, uma vez que a base foi inteiramente incendiada em 2012 –, além de flexibilidade, modularidade e conforto térmico e acústico. “Nosso projeto buscou a segurança de pessoas e de dados, a preservação ambiental, e o conforto humano e logístico, com soluções que facilitassem o dia a dia na base”, afirmam os sócios, reconhecidos internacionalmente por suas construções sustentáveis. Ao contrário da construção anterior, de estrutura única, a base linear é formada por módulos segmentados que possibilitam o deslocamento das unidades perigosas para longe do coração da estação, minimizando os riscos.
Esse núcleo irradiante implica um ponto central de vida – o coração – cercado por unidades heteróclitas – diferentes entre si –, com uma logística complicada de forte impacto ambiental, devido ao uso de transportes motorizados, cabos, caminhos e galpões. Por isso, a nova estação é projetada em uma linha distribuidora, caracterizada como a espinha dorsal.Nosso projeto buscou a segurança de pessoas e de dados, a preservação ambiental, e o conforto humano e logístico, com soluções que facilitassem o dia a dia na baseGrégory Bousquet Ela permite a setorização dos usos, a hierarquização das necessidades e a compactação dos espaços, com amplo impacto visual da base e reduzido impacto ambiental. Os arquitetos resumem: “A estrutura simples, econômica e eficiente traria um enorme conforto aos profissionais, além de evitar transtornos ambientais causados pelos caminhões normalmente utilizados para este fim”.
A equipe criou uma estrutura apoiada sobre pilotis. A solução libera o solo de qualquer interferência mecânica, determina e protege caminhos para pedestres ou máquinas e permite a passagem das águas de degelo pelo solo, aproveitando o vento para evitar o acúmulo de neve. Com a elevação, concebeu-se o uso de um sistema logístico de deslocamento e içamento simples e eficiente: a ponte rolante. Ela reúne os segmentos e oferece a vantagem de possibilitar o transporte de materiais que chegam e saem da estação, sendo uma conexão simples e rápida entre os módulos. As chatas – barcaças largas e pouco fundas, fortemente construídas – desembarcam o material diretamente da praia. Além de se adequar ao terreno, a ponte rolante se desenvolve formando uma praça ensolarada em frente ao núcleo social, constituindo um ambiente de encontro.
O sistema estrutural tem como principais características modularidade, facilidade de transporte, construtibilidade, leveza e multifuncionalidade. Para formar a estrutura, leves treliças em segmentos permitem ser manuseadas sem o uso de equipamentos e montadas como se fosse um “Lego”. Os arquitetos explicam: “Caso seja necessária uma futura mudança de utilização ou de layout, a estrutura pode ser facilmente desmontada e reconstruída de forma diferente, garantindo maior flexibilidade e adaptabilidade às novas exigências das décadas que estão por vir”. O isolamento climático é conseguido por meio de painéis sanduiche colocados pelo lado externo do quadro estrutural. Internamente, poderá haver outra camada isolante nos ambientes com permanência prolongada, ou uma grade de piso móvel, que pode ser levantada para acessar o espaço entre o revestimento interior e exterior. Este espaço pode ser usado para instalações ou armazenamento de combustíveis, geradores de emergência e baterias. Outra vantagem do caráter modular da estrutura é a instalação por elementos. A ponte rolante pode ser instalada como autossustentável. Por meio dela, leves elementos do quadro estrutural e painéis podem ser transportados para o respectivo local de utilização. Para construir os edifícios, a instalação pode ser feita manualmente ou usando dispositivos de içamento. Para a fundação, as colunas em forma de “V” são suportadas por grandes bases que asseguram A estrutura pode ser facilmente desmontada e reconstruída de forma diferente, garantindo maior flexibilidade e adaptabilidade às novas exigências das décadas que estão por virCarolina Bueno baixa pressão sobre o solo, limitando ao mínimo os possíveis recalques. Em caso de eventuais acomodações do solo no futuro, devidas à chuva intensa ou a outros eventos geológicos, um cilindro hidráulico inserido nos pontos de base pode ser ativado para levantar estes pontos novamente até a posição vertical desejada.
O escritório ganhou com o projeto o segundo lugar no Concurso Internacional da Estação Antártica Comandante Ferraz, promovido pela Marinha do Brasil, com organização pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). Grégory Bousquet, Carolina Bueno, Olivier Raffaelli, Guillaume Sibaud contam que a experiência transforma, enriquece e influencia a visão que possuem da arquitetura em relação às questões ambientais, de segurança e conforto. “Foi um grande aprendizado. O assunto é mágico. O continente Antártico representa desafio e oportunidade”, destacam. O projeto contou com consultoria especializada em condições extremas. Na Antártica, Nelson Barretta, que trabalha na Estação Antártica Comandante Ferraz há 25 anos é responsável pela formação de pessoas que frequentam o local. Fazem parte também do time de consultoria o navegador Amyr Klinke, o Instituto Polar Francês, além de engenheiros alemães, ingleses, portugueses e os arquitetos da Triptyque. “A reunião de uma equipe pluridisciplinar e multinacional foi fundamental para o desenvolvimento do projeto, que demanda reunião de experiências prévias na Antártica e expertise nas condições”, concluem os arquitetos.
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